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Hoje não há radioAmor
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Hoje não há radioAmor

Poderia ser assim esta semana mas a pena é leve e a escrita tem esse condão de se dar, quando nada parece estar.

Morreu-me um primo. Sustive a respiração Morreu-me uma amiga. Parei de respirar.

Na mesma semana. Com dias de intervalo.

Todos lidamos com a morte de forma diferente. Eu não lido com a morte. Aceito-a de forma estranhamente pacífica, guardando para sempre aquela pessoa junto a mim, uma presença na ausência que me permite a saudade sem a exacta noção da partida.

Lembro-me do preciso momento em que o telefone tocou e reconheci de imediato o tom de voz. É incrível como podemos conhecer alguém pela sua voz. Eu tinha acabado de almoçar, estava num carro, nos Açores, na ilha do Faial. Chovia. Morrinha miúda, céu muito cinzento a lembrar um inverno tropical. Ao meu lado, alguém que tinha acabado de conhecer em contexto profissional, sem margem para grande proximidade ou intimidade. Foi assim que, em 2016, um amigo me disse que o meu melhor amigo, aquele que era o meu melhor amigo, o companheiro de adolescência, o que fazia de date para fazer ciúmes à crush, o que sabia sempre fazer-me rir e desfilava comigo como se fôssemos os mais bonitos do mundo, esse amigo, tinha morrido. Senti-me perdida, longe do mundo, o meu mundo, e percebi a insularidade porque não havia carro que me levasse dali de volta a lugar nenhum.

Esta semana o telefone tocou. Eu não me lembro como foi que me disseram que uma querida amiga tinha partido. Na verdade, não me interessa saber ou recordar. Porque me lembro muitas vezes daquele instante na Ilha do Faial como se o estivesse repetidamente a viver. Também não sei o que irá ficar deste momento que vivo agora mas sei que vivemos a morte sempre de forma diferente. O que não quer dizer que seja menos intenso ou doloroso, que marque ou traumatize menos.

A finitude de que somos feitos é real. É nisso que penso todos os dias, sempre que começo a sentir uma ligeira agonia ou contrariedade. Tudo acontece como e quando tem de acontecer, como tudo o que acontece é o que tem de acontecer. Até a morte, a dor que a acompanha, a revolta ou a memória dos momentos bons. É nisso que penso, sem delongas, sem a interpretação que me caracteriza ou as perguntas que me perseguem todos os dias.

Aceitar. Respirar. Quem sabe, continuar.

Hoje não há radioAmor mas ela queria que houvesse. E porque tudo acontece como e tem de acontecer, a mensagem desta semana foi gravada há uma semana, numa antecipação involuntária muito apropriada. Espero que gostem, eu sei que ela iria gostar, era um dos nossos temas preferidos. Tudo acontece como tem de acontecer, não é? Infelizmente para nós, até a morte.

Até já querida amiga.

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Na sábado, o dia internacional da carga mental.
Um dia que (ainda) não existe mas que faz muita falta.

Depois do International Pay Day, o dia em que se discutem salários e se percebe que a maior parte das mulheres ganha menos do que os homens simplesmente por… ser mulher, que tal falamos de uma outra causa perdida, chamada carga mental? Se és mulher e vives com um homem, se esse homem foi educado na tradição conservadora, sabes a que me refiro.

A carga mental é um fardo. Uma constante para quem segura as bolas no ar sem as deixar cair, gerindo a sua vida pessoal, trabalho, família e a vida doméstica. É o esforço cognitivo para manter o invisível a funcional, um peso de detalhes que vamos gerindo ao logo do dia - dos dias - da nossa vida e que, porque supostamente as mulheres são multifuncionais, fica para nós. 

É injusto e desgastante. 

O que acontece num dia normal é difícil de descrever. O que acontece num dia excepcional chama-se caos e só outra mulher entende o significado porque, muitos deles, para prepararem espaguete para o jantar, não só telefonam a perguntar a quantidade como a seguir telefonam novamente a perguntar onde está. Hello?…

Se pelo facto de sermos mulheres recebemos um salário inferior, o que dizer de juntarmos a esta desigualdade o peso que tarefas simples, rotineiras, repetitivas que exigem enorme flexibilidade, ginástica mental e criatividade? Amor. Acho que não.

É o bónus associado ao amor, à vida a dois numa relação romântica, especialmente se incluir descendência. É a famosa divisão do trabalho, na qual um trabalha e o outro tem dois - por vezes três - empregos, e ainda tem de lembrar o outro, fazer listas, colar post its nas portas. É trabalho a dobrar pois, para além de pensar na tarefa, ainda obriga a pensar que tem de lembrar o outro para a realizar. Exaustivo. Depois admiram-se da explosão ou do empoderamento feminino, do grito do Ipiranga ou, simplesmente, da separação. Porque o elefante na sala chama-se, muitas vezes, carga mental e resulta de um peso excessivo sobre um dos membros do casal, tarefas não partilhadas e um desgaste crescente que raramente acaba bem. 

A carga mental é fácil de acumular e muito difícil de caracterizar porque tudo pode contribuir para o peso que as tarefas do dia a dia têm, quando acumuladas com o trabalho, independentemente da profissão. Ter de pedir ajuda, deixar lembretes espalhados pela casa, ter de agradecer a execução (esta mata-me, como se não fosse uma responsabilidade partilhada), fazer listas de supermercado, pensar, marcar e organizar as férias, ser encarregado de educação e responsável por tudo o que respeita à escola e actividades das crianças, fazer as compras, cozinhar, limpar e arrumar, cuidar dos animais e membros afastados da família não é amor. É uma carga adicional que merece ser partilhada sob pena de um dos membros do casal ter mais trabalho e mais responsabilidades do que o outro. Se ambos têm uma profissão e estão empregados, se nenhum dos dois escolheu como opção a dedicação à educação dos filhos e a vida familiar, deixar em cima da mulher esta responsabilidade é das maiores injustiças com as quais, nós mulheres, temos pactuado. E apesar de não ser uma questão de género, é sobretudo, uma questão de género.

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