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Férias: partimos sempre tarde, não é?
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Férias: partimos sempre tarde, não é?

Olá,

bem-vindos. Já em modo férias, a preparar as férias ou ausente em parte incerta e indisponível até ver? Perfeito. Desde que desligues e aproveites. Se já desligaste este título te irrita solenemente, não deixes de ouvir porque terás outras oportunidades para colocar em prática os conselhos que hoje seleccionei para ti:

como desligar, desligando.

Sem a conversa da treta de que no meu trabalho isto e que eu aquilo ou sei lá mais o quê que inventamos para evitar desligar. E desligar é tão bom que também eu o vou fazer para pensar e repensar e pensar novamente tudo. isto. isto. tudo.

Por isso, para hoje e para sempre, o convite é a desligar e as sugestões são para quem não sabe exactamente o que e como fazer. É ouvir e partilhar porque o mundo está cheio de pessoas como tu e como eu, com uma enorme dificuldade em d e s l i g a r.

Na Sábado, para fechar a primeira temporada de 2022, a nossa relação com o digital. Totalmente relacionado e imperdível de ler porque sou eu no modo Paula Cordeiro de língua afiada a dizer o que não queremos ouvir.

W/ love e muitos beijinhos a todos, Paula

💋💋

A sociedade global é uma comunidade global. E isso não é necessariamente bom.
Quando McLuhan se lembrou de um conceito ao qual chamou Aldeia Global a ideia de que satélites de comunicação ligavam o mundo entre si parecia extraordinária. Hoje, pensar que nos extasiámos perante a possibilidade de saber o que se passava do outro lado do mundo, acompanhando os acontecimentos em directo através da televisão é… pouco. Muito pouco, se considerarmos que o paradigma da sociedade contemporânea se baseia no conceito de telepresença, ampliado nos últimos anos pela forma como as ligações através de sistemas de video se tornaram ubíquas. A banalidade dos dispositivos e das ferramentas que este suportam transforma diariamente o mundo em que vivemos, como se viver fosse fazer parte de um enorme panóptico no qual pensamos conseguir ver tudo mas no qual, na verdade, não vemos nada, porque só vemos aquilo que nos permitem ver. Simultaneamente, neste mundo na palma da mão - bem sei que a frase é estafada mas não há muitas formas criativas de o afirmar porque está mesmo na palma da mão - fundámos uma nova noção de comunidade que só em parte corresponde ao conceito de comunidade como sempre o entendemos: uma unidade social ou grupo de indivíduos que partilham algo entre si. Podem ser interesses, normas, valores, religião ou a identidade, assentes num determinado local ou no pressuposto de um local, um sentido de pertença que as plataformas digitais vieram reforçar. Estas comunidades são muitas vezes unidades de colaboração através das quais algo se produz em conjunto, envolvendo várias pessoas e contribuindo para o bem estar comum. Hoje, a colaboração está ao rubro porque temos colaboração sem comunidades e uma lógica de comunidade que ultrapassa o que se definiu por Aldeia Global. Se entendermos a comunidade contemporânea como uma comunidade global, facilmente percebemos que vivemos um mundo que ultrapassou os limites do tempo e do espaço, no qual estamos todos conectados e para o qual todos contribuímos, mesmo sem esse forte sentido identitário que caracteriza uma comunidade. 
As plataformas contemporâneas são, por definição, colaborativas, assentes no pressuposto de que estamos todos - virtualmente todos - disponíveis para as alimentar, editar e co-criar, esquecendo, contudo, que muito embora tiremos dessa co-criação algum proveito, é para os criadores dessas plataformas que o proveito é maior. Pensamos alguma vez nisto, ou limitamo-nos a usar, por vezes até abusar, deixando, ao mesmo tempo, que abusem de nós? 
Estava há dias num daqueles contextos sociais em que não conhecemos ninguém e ninguém nos conhece. Tenho por hábito manter-me calada, sem avançar muito nos temas porque neste reino do politicamente correcto e do achismo é muito fácil cair em discussões estéreis e perfeitamente inúteis. Contudo, a conversa inevitavelmente chega ao digital e é então que, quase sempre, lanço a bomba e fico a ver o cenário arder porque estamos, quase todos, completamente conectados e, paradoxalmente, desconectados do que significa essa ligação. A surpresa no rosto quando se levanta o véu da privacidade, propriedade e modos de agenciamento das plataformas e ferramentas digitais que usamos no dia-a-dia, é equivalente ao seu grau de interferência e interpenetração no quotidiano de cada um. A forma como aplicações se ligam entre si e a outros dispositivos nas imediações, a transferência de dados entre aplicações e o mapeamento da nossa atividade diária, providencia um registo muito fidedigno dos nossos movimentos e acções, da mesma forma que o rasto que deixamos nas plataformas colaborativas transforma o local num colaborativo global. O problema é tudo, ou seja, tudo o que isto representa, significa e produz porque, se por um lado é muito agradável entrar numa aplicação e saber, em tempo real, onde estão radares de velocidade, mudar para outra e ter a informação da localização e nome de um espaço comercial, abrir uma terceira e conhecer as opiniões sobre esse lugar, por outro lado, poderemos confiar assim tanto uns nos outros e deixar que os criadores deste contexto aberto e entrelaçado saibam quem so mos, como somos e o que estamos a fazer a cada momento do nosso dia?
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