Pensei muito, provavelmente vezes demais, sobre este regresso. Adiei. Procrastinei. Protelei, esperei o momento em que senti que era chegado o momento. Na verdade, não tivesse aqui vindo, para recomendar a plataforma a uma amiga e mostrar exemplos do que é possível fazer, ainda não seria hoje. Algum dia seria porque há um ano - um ano! - despedi-me com um até já. Uma pausa há muito necessária e que também fui adiando, até ao momento em que não consegui arrastar mais.
Como me fez bem este afastamento!
Como diz Saramago, é preciso sair da ilha, para ver a ilha.
Espero-vos bem e pergunto-te, como estás, sabendo que a maioria não irá responder.
Foi um ano intenso. Têm sido intensos. Os últimos dois anos foram de uma intensidade difícil de explicar. Parece que vivemos uma vida em poucos meses. A intensidade mantém-se e o melhor está para vir, acreditem.
Interrompi a radioAmor naquele choque de realidade de um projecto que poderia ser pago mas que, afinal, não é; a partida de uma Grande (demasiado grande para caber nesta palavra) Amiga que era também a minha sócia; o fim da nossa empresa e o meu plano de partida, adiado vários meses, que era preciso implementar. Um retiro sabático para descobrir coisas novas. Foi bom. A vida, agora, vai ser ainda melhor!
Regressei, retomei o ensino e a escrita. Quem sabe, volto à rádio e aos podcasts.
Espero-vos bem e só tenho pena que, entre a partida e a chegada, o tema se mantenha. Estamos cada vez mais pobres e não é bonito de se ver. Esta semana, na Sábado, o Bairro do (des)Amor, lembrando Jorge Palma, olhando para uma cidade cada vez mais distante de si própria e um país perdido entre o que foi e o que poderia ser.
O Bairro do (des)Amor
No Bairro do Amor, a vida corre sempre igual… Jorge Palma cantou, um dia, o Bairro do Amor, onde a vida é um carrossel e há sempre lugar para mais alguém. Assim é Lisboa, o bairro do (des)amor onde também há sempre lugar para mais alguém mas sem as ondas de ternura em cada olhar. Lisboa é agora essa zona marginal onde, em vez de tratar, como canta Palma, cria nódoas negras sentimentais.
Saramago afirmou que é preciso sair da ilha para ver a ilha. É saindo de Lisboa que conseguimos ver a cidade: um projecto que não se concretiza e só se descaracteriza.
Investe-se na conversa bonita que alimenta redes sociais digitais. As bicicletas. Compostagem. Transportes públicos gratuitos. Unicórnios para ler enquanto esperamos o autocarro que não vem e assistimos a ciclovias serem desmanteladas. O lixo amontoa-se, não há compostagem que compense o cheiro em certas zonas da cidade. O estacionamento selvagem, as constantes mudanças de sentido numa das principais avenidas e os turistas que promovem a cidade como um postal melhor do que é. Como podem, os filtros do Instagram, anular a realidade?
É triste abrir o jornal e ler que, em quatro anos, as pessoas sem casa aumentaram 78%. Neste número não entram os que foram para casa dos pais, os que se acomodaram em casa dos primos ou irmãos, os que, por não terem casa - ou como a pagar - abandonaram o país ou… os que encontraram soluções, pseudo-soluções e pensos rápidos para a crescente especulação e ganância, baixos salários e ausência de reais oportunidades.
Quem opta por viver numa tenda não o faz por outra razão que não a falta de opção. As soluções existem mas são medidas impopulares, difíceis de implementar. Supõe pisar os calos a fundos que, indirectamente, alimentam campanhas, poderes instalados que beneficiam diferentes estruturas de poder, incomodar quem ganha com a transformação de Lisboa numa EuroDisney pobre e mal amanhada, feita à pressa e sem estratégia.
Quando o foco é o ganho imediato, ameaçamos a estratégia de longo prazo, suportada por um crescimento lento e consolidado, garante a sua dimensão e longevidade. Escrevi, a propósito da entrevista de Filipe Botton ao Expresso, que Portugal é um país pobre. Sempre foi. É também um país que, não conseguindo colocar professores nas escolas, entrega um computador e acesso à internet a todos os alunos. Se é importante? Sim. Contudo, há escolas sem professores, outros materiais e equipamentos igualmente relevantes. De que serve o kit digital sem um professor?
A pobreza, em Portugal, é também pobreza de espírito, resultado de muitos anos de uma cultura a olhar por cima do ombro, por medo, e pelo canto do olho, por inveja. Vê-se nas mais pequenas coisas, sobretudo na ausência de planeamento, na (in)definição estratégica de quem gere um país navegando à vista, como quando nos fizemos ao mar para descobrir novos mundos. Na altura, justificava-se pelo desconhecimento do contexto. Hoje podemos conhecer tudo - ou quase - e dispomos dos mais variados instrumentos e técnicas de previsão. Como se explica esta inadequada gestão de prioridades, baseada, quase sempre, na superficialidade e vaidade? Há como investir numas Jornadas Mundiais da Juventude, como houve, há anos, para construir um estádio de futebol em cada município mas não há investimento que acabe com a pobreza, defina o que fazer ao parque imóvel do Estado ou crie (mais) habitação social? Sejamos sérios.
O nosso (des)governo é como a personagem Caco Antibes*, odeia pobres. Num país em que o parque automóvel tem maioritariamente mais de 10 anos, aumentamos o IUC - independentemente do aumento e da sua gradualidade - depois de termos investido na pavimentação do país, tornando regiões completamente dependentes do automóvel. Justificamos o aumento com a descarbonização, sabendo que muitas zonas do país depende do automóvel? É de ferrovia que precisamos falar. Opção que, estrategicamente e a médio prazo, traria vantagens ao país: do aumento do turismo - esse epíteto do do sol e da luz, da comida e da beleza natural -, à deslocação de empresas e pessoas, com o consequente desenvolvimento das regiões adjacentes ao litoral e grandes centros urbanos, exemplos não faltam das vantagens que um investimento mais equilibrado entre alcatrão e ferrovia traria ao país. Traria. Condicional. Haverá alguma razão que justifique a ideia inicial, perdida algures nos anos de 1990? Não.
Esta semana também passámos pelo Dia Internacional da Erradicação da Pobreza. Nota: somos pobres todos os dias. Um dia não chega para resolver o drama: salários, impostos, habitação, inflação. Discutem-se medidas quando precisamos de acção. Onde estão os fundos europeus? A famosa bazuca que tudo iria resolver? E o que acontece aos impostos, esse dinheiro considerado público mas que, na verdade, é de todos nós? Temos questões sociais e culturais mal resolvidas, fomos sempre liderados por elites falidas, com pouca educação e pior formação, habituadas a politica mesquinha, interesseira, repleta de esquecimentos ou suposta candura. É triste. Mais triste ainda é aceitarmos e seguirmos, como canta Mayra Andrade, quando diz que vivem de olhos fechados e chamam-lhe terra da saudade. Neste contexto de governação, aplica-se mais a regra do que a excepção. Se Portugal é pobre, se está a piorar, não estará na hora de olhar para a história, identificar o problema e descobrir como melhorar?
*Miguel Falabela na série da Globo, Sai de Baixo
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Obrigada!
Paula
A boa notícia pela manhã. Tantas saudades desta voz e escrita .🌹
Olá Paulinha (sei que não levas a mal)
Que bom que o adeus volto a ser "Olá"
É e será sempre um privilégio ler-te e ouvir-te e acima de tudo saber que estás bem.
Longe vai o tempo da provedora e da RR, tempos em que também eu corria e passava noites em fábricas, para ter um teto, duas filhas formadas e hoje poder ter uma vida mais calma.
Vem sempre, com as tua voz e palavras sábias, pena que quem decide mesmo sabendo e conhecendo soluções, faça como diz o Carlão.."Assobia para o lado". Fica bem, assim como os teus e tenham um bfs. Kissess 🌹❤️