Vesti hoje uma peça de roupa com cheiro a Estocolmo. Tenho umas quantas que não havia, ainda, usado. Umas têm, até, os vincos das dobras da viagem, as marcas do tempo em que estiveram dentro de malas, no transporte de regresso a Portugal. É interessante como os cheiros e os sons têm essa sublime capacidade de nos transportar para locais ou fazer recordar coisas, pessoas, momentos que vivemos e outros que não voltaremos a viver, e os que queremos, por demais, voltar a viver. O cheiro é fácil de reproduzir, ou imitar. A loja onde comprei o detergente que usei naquela peça de roupa existe aqui e passo por lá sempre que vou namorar.
O Diabo está sempre nos detalhes, não está?
Poder-se-ia pensar que estou com saudades. Talvez esteja, ou talvez esteja a (re)adaptar-me porque, ao contrário do que tantos perguntavam, quando parti não houve adaptação. A palavra saudade foi substituída por outra, lagom. Quer dizer nem muito, nem pouco, na quantidade certa e, apesar de ter deixado pessoas que me são muito queridas, tudo fluía numa lógica lagom. Alguns diagnosticados sinais de ‘tempo a mais na Suécia’ estão presentes: o café passou a fika, uma pausa para uma caneca de café, em doses muito superiores ao que alguma vez imaginei. É contudo, café de saco, suave, derrete-se no paladar com um leve sabor a chocolate. Este é o café a sério, não aquela pinga exprimida e sofrida a que chamam expresso ou bica. Outros sinais ficam para outra radioAmor, porque há vários, todos com cheiro a Estocolmo.
Talvez agora sim, seja tempo de me adaptar àquilo de que tentei fugir e que volta sempre para nos assombrar. O que me assombra não são saudades mas um contexto que necessita ser virado do avesso e para o qual nos manifestamos de forma mansa, sem saber exactamente contra o que reclamamos. Em Portugal há muita coisa que está mal. O mundo está mal e, por consequência, nós também. Colectiva e individualmente. Estou, por isso, à procura de histórias. Quero contar as histórias de quem está bem e as de quem está mal. De quem sofre por amor, de quem sofre desamor, de quem não o encontra ou perdeu um grande amor, de quem mudou tudo por um grande amor. De quem ama a vida e não a consegue viver, apenas sobreviver. Histórias de vida. De quem tem dois empregos, de quem procura emprego, de quem ama o seu país mas não consegue aqui viver. De quem saiu e tem saudades, de quem viu os filhos partir, de quem voltou e se arrependeu. De quem tem casa e de quem não tem. De quem procura e não encontra. Histórias. Boas. Se conhecerem quem tenha boas histórias para contar, avisem-me. Talvez até as vossas histórias sejam as que quero contar.
Escrevam! Estou à distância de uma mensagem para encher esta radio de Amor.
(nota: qualquer depoimento pode ser anónimo, a identidade preservada e a história contada de forma real ou ficcionada, de acordo com a vossa decisão)
Esta semana, na Sábado:
Do Twitter à TVI, não se aprende nada
A comunicação social funda-se numa ideia: dizer às pessoas sobre o que pensar e numa história, igualmente longa, tentando indicar às pessoas como pensar. Neste processo, apareceu a internet, criaram-se páginas na world wide web e o mundo não voltou a ser igual. A acrescentar a esta torre de babel, apareceram os sites de redes sociais digitais. O mundo implodiu e ninguém o percebeu. Os teóricos e filósofos, os pensadores e activistas, alertam para os perigos e o mundo caminha, global e alegremente, para um contexto que ninguém sabe qual é mas que muitos percebem não ter nada de bom. Fala-se de literacia mediática e digital, a maior parte das pessoas nem sabe muito bem o que tal significa e eu acredito que enfrentamos um grave problema de literacia social ou seja, uma crise de valores.
Dizem que a idade acrescenta bom senso e sabedoria. Sempre escrevi sobre a forma como a sociedade de sobrepõe ao indivíduo, condicionando-o, apontando à forma como os papéis sociais se cristalizaram no tempo e como os nossos preconceitos, aquelas ideias que temos sem grande justificação, ultrapassam a capacidade que individual, e colectivamente, temos de os desconstruir. Estamos menos informados do que nunca e mais divididos do que alguma vez estivemos, sem disso termos consciência. Afirmam-se preconceitos como se estes não estivessem enredados em ideias injustificadas, percepções individuais ou representações sociais datadas. Comentam-se decotes e o género de forma leviana.
O novo paradigma da comunicação permite a amplificação dos fenómenos, criando pseudo-fenómenos e proto-fenómenos que ganham um destaque que não merecem. Ou talvez mereçam mas para serem escrutinados como o comentário que os originou. A discussão sobre a Miss Portugal aqueceu as redes sociais e extravasou para a comunicação social. Esta, em vez de cumprir o seu papel de informar e educar, contribuiu para alimentar a fogueira, trazendo ao prime time o comentário de Miguel Sousa Tavares, reproduzindo algumas das piores ideias que estavam limitadas ao micro-fenómeno Twitter, mostrando, também, o que o este tem de pior: a polarização e ausência de contraditório. Este discurso mediático é um alto-falante para que a boçalidade saia desse limitado espaço na rede, o Twitter.
Os dados são dúbios, há vários números e fontes mas, se pensarmos que o Twitter tem entre 368 e 556 milhões de utilizadores activos em todo o mundo, dos quais cerca 2 milhões em Portugal, e que a TVI pode chegar a 290,9 mil pessoas em simultâneo, parece que o Twitter é maior do que a televisão. Contudo, uma vez que o conteúdo no Twitter é distribuído através de um algoritmo que funciona como a caixa negra de um avião, tornando quase impossível perceber a regra ou prever o que vai apresentar, estamos perante múltiplas possibilidades. Isto para dizer que trazer para a um noticiário na televisão em sinal aberto um tema que está a ter destaque no Twitter pode não ser a melhor forma de garantir que o público se mantém informado, respeitando um dos princípios do jornalismo. O comentário, por seu turno, é a expressão de uma ideia individual e, por isso, livre. Que liberdade queremos e que tipo de comentário desejamos ter na televisão, aquela que chega onde o Twitter não chega e que tende a assumir-se como uma espécie de verdade absoluta? Os meios de comunicação sociais tradicionais, nos quais se inclui a televisão, têm um passado enquanto garante do acesso ao conhecimento, informação e notícias, donde, não se questionam. É isso que queremos?
O Twitter dá prioridade aos conteúdos mais recentes e populares. Por outras palavras, o que resulta melhor na conversa de café? O comentário intelectualmente sério, a discussão do jogo da bola, da novela ou a mais recente coscuvilhice das celebridades? Somos humanos, faz parte. Por isso, o Twitter procura apresentar o que, supostamente, mais nos interessa, a partir, entre outros aspectos não revelados, dos perfis e conteúdos com os quais mais interagimos, razão pela qual podemos ver conteúdos de perfis que não seguimos mas cujo conteúdo, na gíria, está a dar ou seja, aquele que inclui algum sangue e, por sangue, entenda-se, controvérsia. É o caso da eleição da Miss Portugal, do comentário de Miguel Sousa Tavares ou de todos os de Marcelo Rebelo de Sousa, numa potente máquina de amplificação do disparate que garante que ninguém, nem mesmo quem está fora da bolha do Twitter, fica sem saber qual a mais recente polémica. Ou pseudo-polémica porque se ninguém lhes desse palco, falavam sozinhos. E assim é que deveria ser.
Caso ainda não estejamos ligados no Linkedin, carreguem aqui pois é onde passei a partilhar aquilo que nunca coube no instagram e também não cabe aqui.
A semana passada, também na Sábado:
A Guerra dos Mundos, hoje
Neste reino das pessoas que acham alguma coisa, sou de opinião que a opinião cansa. As ideias mastigadas, repetidas à exaustão e a ausência de novas ideias, torna-se o próprio simulacro da simulação. Alimenta uma Guerra dos Mundos sem fim, que ultrapassa, em muito, as ondas da rádio. [Continuar a ler]
Obrigado Paula! Anda tudo muito confuso, como já estou na fase descente da montanha, vou-me agarrando à vegetação, para não ir ter ao ribeiro aos trambolhões. Tanta tecnologia e tão pouco social..😪. Fica bem boa noite 🌹😘